Entrevista com Ali Kamel, o 'Ali Químico'

O diretor executivo de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, bate um papinho com Space Ghost, abrindo a nova temporada de entrevistas do Blog do Space. Em uma conversa rápida com o viajante espacial, Kamel não abre o jogo e não conta nada.

Space Ghost – Estamos começando nossa nova temporada de entrevistas com a presença de um convidado muito especial. Mais do que especial, ele é global. O currículo dele ainda é pequeno, mas já é marcado por algumas proezas. Vamos dar as boas vindas a Torquemada, quero dizer, Ali Kamel, o sensacional Ali Químico!

Ali Kamel – Olá, Space Ghost.

Space Ghost – Os amigos me chamam só de ‘Space’.

Ali Kamel – Mmm... Olá, Space Ghost.

Space Ghost – Tudo certinho com o senhor?

Ali Kamel – Tudo certo.

Space Ghost – Vamos começar de leve. Pelo que se sabe, o senhor é um homem dado a testar hipóteses, criar situações problema e exercer futurologia catastrofista. Tenho aqui uma listinha com algumas de suas travessuras:

- Você foi capaz de tentar colar a imagem de um candidato que prega o fim da herança do trabalhismo à figura de Juscelino Kubichek (todos se lembram da chamada da Rede Globo para a minissérie “JK” em que o narrador convidava os telespectadores a assistirem as aventuras de Juscelino ao lado de seu fiel amigo, José Maria Alckmin);

- O senhor conseguiu transformar em vítima de dossiê fajuto um ex-ministro da saúde sob o ministério do qual se instalou a máfia das sanguessugas, se valendo para isso da exclusão total do nome “Barjas Negri” dos anais do jornalismo;

- Sob sua batuta, um transponder desligado de um jato Legacy em 2006 passou a ter uma relação intrínseca com a posição de manetes de um Airbus em 2007;

- Em janeiro de 2007 o senhor aplaudiu e defendeu a decisão do ministro Hélio Costa de cancelar a retransmissão da TV Renascer após as denúncias da Rede Globo contra o casal Hernandez, que havia acabado de vencer uma ação contra a Revista Época. Em maio do mesmo ano o senhor promoveu um escândalo em torno da não renovação da concessão da RCTV na Venezuela.

Minha pergunta é: O senhor prefere pipoca doce ou salgada?

Ali Kamel – Não entendi. Você fez um arrazoado de inverdades sobre minha pessoa e emendou com uma pergunta desconexa.

Space Ghost – Ah, sim, claro. Já que o senhor se desviou de minha pergunta provocadora sobre seu gosto por pipoca, eu indago se meu ‘arrazoado de inverdades sobre sua pessoa’ indica o motivo pelo qual o senhor foi apelidado de ‘Ali químico’, o mestre das manipulações bombásticas.

Ali Kamel – Você está sendo leviano. Não tenho que responder isso. Você recorre a um discurso falacioso a meu respeito querendo estabelecer uma falsidade como verdade.

Space Ghost – Tem medo que eu tome seu emprego ou apenas não gosta de ver alguém fazendo seu trabalho?

Ali Kamel – Besteira. Sou um profissional sério. Se eu soubesse que essa entrevista seria isso não teria vindo.

Space Ghost – Ok, ok, vamos mudar a pauta, então. Recentemente o senhor escreveu um livro que basicamente afirma que no Brasil não existe e nunca existiu racismo. Queria saber o que o senhor está achando do novo programa dominical do Silvio Santos intitulado “Você é mais esperto que um aluno da quinta-série?”.

Ali Kamel – Não tenho acompanhado a grade de programação do SBT. O canal do Edir Macedo me incomoda mais. Sobre meu livro, ele se chama “Não Somos Racistas” e é um trabalho muito sério. E saiba que tem muitos dados estatísticos em minha pesquisa.

Space Ghost – Ah, tem muita estatística... E o Von Martius, colaborou com você?

Ali Kamel – Quem?

Space Ghost – Minha nossa… você escreveu um livro… espero que tenha lido um antes. Serei didático. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro instituiu um concurso, vencido em 1847 pelo naturalista alemão Karl Friedrich Philipp Von Martius. O texto de Von Martius, intitulado “Como se deve escrever a história do Brasil”, datado de 1843, defendia a idéia de que a nação brasileira se definia pela mistura de gentes e cores e que o historiador deveria “mostrar como no desenvolvimento sucessivo do Brasil se acham estabelecidas as condições para o aperfeiçoamento das três raças humanas que nesse país são colocadas uma ao lado da outra”. Lado a lado, mas não em pé de igualdade. Von Martius utiliza-se de uma metáfora na qual a herança portuguesa corresponde a um poderoso rio que deveria “absorver os pequenos confluentes das raças Índia e Ectiópica”. O autor estabelece ainda uma hierarquia entre os três rios: um grande e caudaloso, representado pela raça branca; outro, menor, formado pelos de “cor de cobre”, em estado de degeneração; e um ainda menor, o dos negros, ao qual dedica apenas dois pequenos parágrafos. Os três passam a viver em uma convivência harmoniosa que ‘apenas no Brasil seria possível’. Constituíam-se assim os princípios que iriam nortear os mitos da nacionalidade brasileira, como o da democracia racial.

Ao escrever seu livro, você pretendia ser o novo ‘Gilberto Freyre’ ou apenas o senhor tem o mesmo patrão do Alberto Almeida, que escreveu aquela fantástica obra, também recheada de estatísticas, dizendo que a elite branca é o que o Brasil tem de melhor?

Ali Kamel – Mais uma vez você está sendo capcioso.

Space Ghost – Caps Look? De forma alguma. Estou apenas testando hipóteses.

Ali Kamel – Pro inferno.

Space Ghost – Falando nisso, inferno me lembra fogo. Fogo me lembra fogueira. Fogueira me lembra o tribunal do Santo Ofício. Inquisição me lembra Torquemada.

Pra quando está programado aquele Auto de Fé em que uma montanha de livros didáticos sob ‘influência’ marxista serão queimados no Jornal Nacional?

Ali Kamel – Ah, você deve estar se referindo ao meu artigo sobre esses livros de histórias que doutrinam as crianças brasileiras...

Space Ghost – Não. Refiro-me ao filme da Xuxa. Você já viu no youtube? Não tem um moleque de 12 anos que não queira participar daquele ‘catecismo’. Afinal, qual a solução da Globo para esse problema dos livros didáticos? Menos livros de história e mais programa da Xuxa na garotada?

Ali Kamel – Não... apenas esperamos que o MEC selecione melhor os livros...

Space Ghost – ‘Selecionar melhor’ seria escolher os livros do grupo editorial que o senhor representa, não? Livro didático no Brasil dá muito dinheiro, pelo que se sabe. Pra censurar do jeito que você gostaria, só mesmo se Bornhausen fosse eleito presidente. Por hora, não seria interessante se esses poucos jovens conservadores que aprenderam que Hitler era comunista e que Bill Clinton foi espião enviado pelos chineses, tentassem passar na Fuvest, por exemplo, e se formassem futuros historiadores da direita?

Ali Kamel – Talvez seja um caminho para acabar com esse porno-marxismo nas escolas.

Space Ghost – Pra finalizar, já que o senhor é um homem muito ocupado e não deve ser fácil articular um golpe por dia, vou fazer uma pergunta mais ou menos no estilo Enem e seu viés ideológico ‘odiável’, com base em 2 pequenos excertos, sendo o primeiro um trecho de um poema de Brecht e o segundo um texto extraído de uma revista científica:

I

“Se os tubarões fossem homens (...) naturalmente também haveria escolas (...) nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões.

Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos.

Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência.

Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista e denunciaria imediatamente aos tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.”

II

“De todos os animais do planeta, o tubarão branco é o maior predador dos oceanos, com um peso de quase 2 toneladas e até oito metros de comprimento. Sua dimensão é equivalente à da orca.

O tubarão branco é muito individualista e instável, mudando de comportamento a toda hora. Uma das armas mais poderosas são centenas de sensores elétricos dispostos na parte frontal do corpo, com os quais capta até as batidas cardíacas de um outro animal à distância. Então pelo ritmo das pulsações, ele avalia se a vítima potencial está assustada ou tensa, situação em que pode ser dominada mais facilmente. O seu bote é uma cena única. O Tubarão Branco é capaz de projetar a boca para fora da face, aumentando o tamanho da mordida para perto de um metro e meio, quase o suficiente para engolir um homem em pé.(...) Apesar de seu tamanho, força e ferocidade, o tubarão branco está ameaçado. No ano passado, uma das mais importantes organizações ambientalistas do mundo, colocou o tubarão branco no livro vermelho de espécies em risco de extinção. Esta medida foi tomada por 3 motivos:

1 - O tubarão branco é naturalmente raro, gerando apenas um ou dois filhotes por vez;

2 - Tem uma das mais baixas taxas de procriação entre os peixes;

3 - É perseguido tanto por aqueles que se orgulham de enfrentar um animal perigoso, com por aqueles que o temem.”

Minha última pergunta é: Qual desses dois textos se encaixam melhor em sua biografia na Wikipédia?

Ali Kamel – Passar bem, Space Ghost.

Space Ghost – Agradecemos a rápida presença de Ali Kamel, o sapientíssimo ‘Ali Químico’. E obrigado a você que acompanhou a curta entrevista. E não se esqueçam, se me virem pego hoje no Jornal Nacional fazendo “Top, top, top” numa filmagem clandestina, meu gesto é por conta da saída do Dualib do Parque São Jorge e não por causa da morte de monges birmaneses.